Aplicando os ensinamentos de Nação Dopamina no dia a dia do advogado

A advocacia no Brasil é marcada por uma cultura de alta pressão, prazos inadiáveis e uma dependência extrema da tecnologia, que muitas vezes aprisiona os profissionais em um ciclo de exaustão. Advogados frequentemente se veem atolados em tarefas administrativas, como preenchimento de sistemas, elaboração de documentos, atualização de planilhas no Excel e uso incessante de ferramentas digitais.

Essa sobrecarga, somada aos inúmeros estímulos externos que prometem “micro recompensas” (checar notificações, redes sociais, responder mensagens no WhatsApp), compromete não apenas a produtividade, mas também a saúde mental e a capacidade de encontrar propósito no trabalho.

Vamos detalhar como os conceitos de Nação Dopamina podem ajudar a reverter esses padrões, promovendo organização, foco e uma relação mais saudável com a tecnologia.

1. A Cultura do “corre-corre” e a ilusão de produtividade

A rotina do advogado muitas vezes parece uma corrida constante contra o relógio. Prazos processuais apertados, exigências de clientes e demandas internas criam um ambiente onde a ação reativa substitui a ação estratégica.

Essa cultura do “corre-corre” é alimentada por um sistema que glorifica estar ocupado, quando, na realidade, estar ocupado nem sempre significa ser produtivo.

Conexão com Nação Dopamina: A Dra. Anna Lembke explica que, em um ambiente saturado de estímulos, nosso cérebro começa a confundir atividade constante com realização.

A busca incessante por completar “pequenas tarefas” (como preencher um sistema ou responder rapidamente um e-mail) ativa breves descargas de dopamina, criando a ilusão de progresso, enquanto atividades realmente transformadoras — como estudo estratégico, construção de networking ou planejamento de longo prazo — são negligenciadas.

Aplicação prática:

• Estabeleça prioridades claras: Liste suas tarefas diárias, priorizando atividades que agregam valor estratégico (como a análise aprofundada de um caso) e deixando tarefas administrativas para momentos específicos do dia.
• Crie blocos de tempo para foco intenso: Separe períodos de 25 a 50 minutos para trabalhos de alta concentração, como leitura ou elaboração de peças. Durante esses blocos, elimine distrações tecnológicas e reserve a checagem de sistemas e e-mails para intervalos predeterminados.
• Métrica de progresso: Avalie sua produtividade não pelo número de tarefas concluídas, mas pela importância e impacto das tarefas realizadas no longo prazo.

2. Os prazos e o ciclo de estresse

Para advogados brasileiros, prazos processuais não são apenas uma obrigação — são uma fonte constante de ansiedade. A pressão para não errar ou perder prazos muitas vezes obriga o profissional a adotar uma postura reativa, “apagando incêndios” em vez de construir um ritmo sustentável.

Essa dinâmica leva ao esgotamento, que por sua vez faz com que muitos busquem recompensas rápidas, como navegar na internet, tomar café em excesso ou recorrer a redes sociais, apenas para aliviar a tensão.

Conexão com Nação Dopamina: Lembke destaca que a exposição crônica ao estresse ativa a busca por prazeres imediatos, alimentando um ciclo viciante. No contexto jurídico, isso se manifesta em comportamentos como procrastinar tarefas difíceis até o último momento ou depender de pequenos prazeres (como café, chocolate ou redes sociais) para aliviar a pressão do prazo.

Aplicação prática:

• Reduza a procrastinação com micro-ação: Em vez de esperar a pressão aumentar, comece qualquer tarefa com uma ação pequena e fácil, como abrir o documento ou listar os tópicos principais de uma peça jurídica. Isso ajuda a vencer a inércia inicial.
• Recompense o progresso real: Crie recompensas que incentivem o avanço significativo. Por exemplo, depois de finalizar um recurso, tire 15 minutos para uma caminhada ou algo relaxante que não envolva tecnologia.
• Pratique a tolerância ao desconforto: Aceite que o início de qualquer tarefa pode parecer incômodo, mas lembre-se de que a sensação melhora à medida que você avança. Essa prática reduz a necessidade de buscar escapes imediatos.

3. A escravidão da tecnologia

Na advocacia moderna, a tecnologia é ao mesmo tempo uma ferramenta indispensável e uma fonte de sobrecarga. Advogados gastam horas preenchendo sistemas processuais como o PJe, organizando documentos no Word ou atualizando planilhas intermináveis no Excel.

Embora essas atividades sejam necessárias, elas frequentemente desviam tempo e energia de tarefas mais estratégicas, além de aumentar a fadiga mental.

Conexão com Nação Dopamina: O livro explica que o uso constante da tecnologia pode levar à “hiperestimulação dopaminérgica”, deixando a mente sobrecarregada e incapaz de se concentrar. Além disso, a dependência extrema de sistemas digitais cria a falsa sensação de produtividade, enquanto consome o tempo que poderia ser dedicado a análises mais profundas.

Aplicação prática:

• Automatize o que for possível: Invista tempo inicial para configurar automações ou sistemas mais eficientes. Por exemplo, templates pré-preenchidos para petições, integrações entre softwares jurídicos e automatização de tarefas repetitivas no Excel podem economizar horas no longo prazo.
• Estabeleça limites para tecnologia: Defina horários fixos para interagir com sistemas e ferramentas digitais. Durante o restante do dia, concentre-se em trabalho offline sempre que possível, como revisar casos em papel ou fazer brainstorming sem a distração da tela.
• Crie “zonas livres de tecnologia”: Durante seus blocos de alta produtividade, desligue notificações de e-mails e aplicativos e mantenha seu celular fora do alcance.

4. O Papel dos pequenos prazeres em meio à exaustão

A exaustiva rotina do advogado muitas vezes leva à busca de pequenos prazeres — como checar as redes sociais, tomar um café ou navegar aleatoriamente na internet — para “fugir” do estresse do trabalho.

Esses momentos de alívio imediato são sedutores, mas podem criar uma dependência que compromete ainda mais a produtividade e aumenta a sensação de insatisfação.

Conexão com Nação Dopamina: Lembke explica que, quando buscamos prazer imediato para lidar com o desconforto, estamos alimentando um ciclo vicioso. Esses pequenos escapes oferecem um alívio momentâneo, mas acabam agravando o problema ao aumentar a dificuldade de lidar com tarefas desafiadoras.

Aplicação prática:

• Substitua estímulos passivos por ativos: Em vez de recorrer às redes sociais, encontre atividades que realmente recarreguem sua energia, como um breve alongamento, uma conversa significativa ou até mesmo uma pausa para leitura.
• Defina intervalos planejados para prazer: Programe pequenas pausas ao longo do dia para atividades que tragam satisfação genuína, como ouvir música ou caminhar, mas evite fazê-las de maneira impulsiva.
• Observe os gatilhos: Sempre que sentir vontade de recorrer a um “pequeno prazer”, pergunte-se: “O que está me levando a isso? Estou cansado, entediado ou ansioso?” Esse hábito de reflexão ajuda a reduzir ações automáticas.

5. Transformando a rotina com um novo paradigma

Por fim, a aplicação prática dos ensinamentos de Nação Dopamina requer uma mudança de mentalidade.

Para os advogados, isso significa adotar uma abordagem mais intencional ao trabalho, onde tarefas estratégicas e momentos de pausa são planejados com cuidado, e onde a tecnologia é usada como ferramenta e não como mestre.

Passos para a transformação:

1. Reavalie sua relação com o tempo: Use ferramentas de gestão de tempo, como a técnica Pomodoro, para equilibrar produtividade com descanso.
2. Invista no planejamento semanal: Reserve tempo no início da semana para organizar tarefas, priorizando as mais importantes e alocando espaço para imprevistos.
3. Implemente um “detox tecnológico gradual”: Comece limitando o uso de redes sociais ou ferramentas não essenciais durante períodos de alta produtividade.
4. Cultive uma mentalidade de longo prazo: Pergunte-se constantemente: “Essa ação está alinhada com meus objetivos e valores profissionais ou é apenas uma resposta a estímulos imediatos?”